Horizonte Perdido

Horizonte Perdido
nanquim s/ papel

terça-feira, 26 de julho de 2011

A cegueira da mente

É possível ainda olhar-me,
olhar os seres, olhar o mundo,
– e ver, sem medo de ver?

Ainda haverá em mim um pouco de inteireza?
Uma região do entendimento que não foi alterada,
uma parte da observação que olha sem distorcer,
um quê de reflexão que funciona,
um discernimento, uma porção de razão,
uma zona da imaginação ainda não foi afetada?
Haverá em mim um resto de ser que pensa?
Passagens belas da vida para reviver na recordação,
algum valor que a consciência possa incorporar
ou um resquício de confiança em mim mesma?

Dias sem sentido, tempo perdido, desencontros,
interesses fúteis, confrontos estúpidos,
diálogos ocos, o despropósito das falas,
a sem-razão, o mal-estar civilizado,
no jogo frágil do intelectualismo “pensante”
tornaram complexas as causas simples.
A amizade desleal, o desrespeito feito norma,
a desconfiança, o amor ditado pela ambição...
Palavras construindo um universo árido de nada
no qual me violento sem perceber, algoz e vítima.
Os sentidos acima de tudo! ―impõe a propaganda,
o materialismo foi instituído como objetivo de vida.
E no cerco das crenças, nos muros dos preconceitos,
o vírus da corrupção se alimenta do perdão inventado.
E o deus folclórico, a ciência divorciada da realidade,
emperram o entendimento, a visão distorcida
no avesso das coisas que vicia e entorpece.
É proibido conhecer a verdade. Lendas guiam vidas,
indiferentes cada um por si, se desconstruindo,
para desesperança da inteligência que indaga.

É a cristalização do efêmero numa cultura de aparência,
estupidez e conhecimento numa simbiose medíocre.
Sentimentos vulgares, pensamentos temerários,
sem vontade, sem liberdade, sem garantias,
o ser íntimo oprimido pela negação de si mesmo.
Eu, o mundo: infância inválida, juventude órfã,
adultos enganados, desviados, abandonados,
reféns do insaciável apetite do embuste e da mentira
sugando sem trégua a mente enferma, indefesa...
―A cegueira que consome a existência humana.

A interrogação deve romper os frágeis limites das imposturas
para compreender as infinitas belezas grandezas estampadas
aos lúcidos de entendimento dos olhos preparados para ver.

Matê Pereira - 1° lugar Prêmio Literário Feira do Livro Ribeirão Preto 2011

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